30 de agosto de 2011

Mesmo sem culpa, banco tem que indenizar vítimas de fraudes cometidas por terceiros

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que instituições financeiras devem responder de forma objetiva – ou seja, independentemente de culpa – no caso de fraudes cometidas por terceiros, indenizando as vítimas prejudicadas por fatos como abertura de contas ou obtenção de empréstimos mediante o uso de identificação falsa.

A decisão foi dada em dois processos semelhantes envolvendo o Banco do Brasil e segue a sistemática dos recursos repetitivos. O procedimento dos recursos repetitivos está previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil e determina que as decisões tomadas nesse regime orientem a solução de processos que abordam a mesma questão jurídica.

No primeiro caso, o estelionatário usou a certidão de nascimento de outra pessoa para tirar carteira de identidade em nome dela. Com esse documento – materialmente autêntico, mas ideologicamente falso –, o estelionatário abriu conta bancária e emitiu vários cheques sem fundos.

O nome da vítima foi negativado em serviços de proteção ao crédito, o que a levou a pedir indenização por danos morais. A Justiça determinou a retirada do seu nome dos serviços de proteção e a declaração de inexistência da dívida, mas a indenização foi negada, pois se entendeu que o alto nível da fraude impossibilitava o banco de impedi-la.

No segundo caso, a conta foi aberta pelo falsário com os documentos originais de outra pessoa. A Justiça considerou que a assinatura da vítima e a falsificada eram semelhantes e que o banco teria agido de boa-fé. Em ambos os casos, as vítimas recorreram ao STJ.

O relator dos processos, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu ser cabível a indenização para as duas vítimas, em vista do que prevê o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Riscos inerentes

Essa responsabilidade só é afastada em caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, mas, segundo o ministro, a culpa de terceiros neste caso é aquela que não tem relação de causalidade com a atividade do fornecedor. O magistrado apontou que as fraudes bancárias fazem parte dos riscos inerentes e previsíveis dos negócios das instituições financeiras.

“No caso de correntista de instituição bancária que é lesado por fraudes praticadas por terceiros – hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de crédito clonado, violação do sistema de dados do banco –, a responsabilidade do fornecedor decorre de uma violação a um dever contratualmente assumido, de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes”, disse o ministro.

Segundo ele, nos casos em julgamento, o serviço bancário se mostrou “evidentemente defeituoso”, porque “foi aberta conta em nome de quem verdadeiramente não requereu o serviço e, em razão disso, teve o nome negativado. Tal fato do serviço não se altera a depender da sofisticação da fraude, se utilizados documentos falsificados ou verdadeiros, uma vez que o vício e o dano se fazem presentes em qualquer hipótese”.

Embora as vítimas não tivessem vínculo contratual com o Banco do Brasil, o relator disse que isso não afasta a obrigação de indenizar. “Não há propriamente uma relação contratual estabelecida, não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser objetiva”, comentou.

Segundo ele, aplica-se nessas situações o artigo 17 do CDC, que equipara ao consumidor todas as vítimas do evento. Para o ministro Salomão, argumentos como a sofisticação das fraudes ou a suposta boa-fé não afastam a responsabilidade dos bancos em relação a esses terceiros.

Seguindo o voto do relator, a Segunda Seção determinou que as vítimas recebam indenizações por danos morais de R$ 15 mil cada uma, com correção monetária e juros. No caso da vítima que havia perdido nas instâncias inferiores, a dívida foi declarada extinta e determinou-se a imediata exclusão de seu nome dos cadastros de inadimplentes.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

26 de agosto de 2011

Mesmo que não possa dirigir, deficiente tem isenção dos impostos para compra de veículo

A isenção legal de impostos à aquisição de veículo por pessoa deficiente não pode ser interpretada restritivamente, sob pena de violar princípios constitucionais. A isenção de ICMS e IPVA tem como objetivo facilitar a aquisição de automóvel por pessoa portadora de necessidades especiais, amenizando as dificuldades próprias de sua condição, não podendo, inclusive,  beneficiar apenas aquelas capazes de dirigir um 'veículo adaptado', sob pena de discriminar outras que, pela extensão das dificuldades, podem até necessitar mais desse meio de locomoção .

Recentemente a Justiça de Goiana concedeu segurança a um portador de deficiência visual para que ele tenha direito a comprar um veículo isento do pagamento de IPVA e ICMS. A legislação do Estado já concede isenção dos impostos para automóveis conduzidos por pessoas com deficiência. Neste caso, no entanto, o impetrante do mandado de segurança não tem condições de dirigir. Ainda assim, requisitou o benefício, concedido pela Justiça. 

 Fazer qualquer distinção entre os que dirigem e os que não dirigem beneficiaria as deficiências menos graves em detrimento das outras. 

O escritório de advocacia OLIVEIRA, VALLE & RANGEL, representado cliente com deficiência visual, impetrou Mandado de Segurança  em face do Secretário da Fazenda do Estado de Goiás, visando obter a imediata isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) na aquisição de veículo automotor novo, bem como do respectivo Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA).

O impetrante é portador de cegueira legal e irreversível em ambos os olhos, doença que lhe ocasiona a perda de visão e a incapacidade de locomoção, necessitando de intenso acompanhamento médico, principalmente nas especialidades de neurologia e oftalmologia,bem como de um veículo que facilite seu deslocamento, ainda que este tenha que ser dirigido por terceiros. 

O Estado de Goiás apresentou contestação, alegando inexistência de direito líquido e certo, já que o bem que o Impetrante pretende adquirir é um veículo convencional, a ser conduzido por terceiros, e não um veículo adaptado, conforme exige a legislação para o deferimento do pedido de isenção pretendido. 

Segundo o Relator, Desembargador Floriano Gomes, “a Legislação isenta o Impetrante, pela sua condição de portador de necessidades especiais, do pagamento de ambos os impostos (IPVA e ICMS), mesmo que não tenha condições físicas para dirigir pessoalmente o automóvel, necessitando da ajuda de terceiro.”

O relator salientou, ainda, que “para não ofender preceitos constitucionais, a referida lei deve ser interpretada de forma extensiva no sentido de incluir, nas isenções nela indicadas, aquele portador de deficiência que, em razão de seu maior grau, não tem condições para dirigir pessoalmente veículo automotor, necessitando, pois, da ajuda de terceiro. Isso porque, a interpretação meramente literal da norma tributária em situações tais, fere os princípios consagrados pela Constituição, tais como o da isonomia, da razoabilidade, daproporcionalidade e, ainda, da dignidade da pessoa humana.”

 Em decisão unânime a Primeira Turma Julgadora, em sessão da 3ª Câmara Cível, acompanhou o voto do Desembargador Relator.


Precedentes:

Já em 2008,  aplicando os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), acompanhando voto do desembargador Walter Carlos Lemes, determinou ao secretário da Fazenda de Goiás que conceda a isenção de ICMS a uma menor, portadora de deficiência física (anorexia cerebral e deficiência cognitiva), para que possa adquirir um veículo. 

Ao negar o pedido da menor, o secretário da Fazenda, à época,  argumentou que a legislação tributária visa desonerar o veículo que necessita ser adaptado para uso da pessoa portadora de deficiência física e que, por esse motivo, é exigido que o beneficiário seja portador da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Também ressaltou que o veículo a ser adquirido pela impetrante é "convencional" e será conduzido exclusivamente por seus parentes.

No entanto, para o relator, é inaceitável privar a impetrante de um benefício legal que está particularmente vinculado a razões humanitárias, uma vez que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho e obstáculos físicos. "O princípio isonômico orienta-se no sentido de que a legislação deve se interpretada da maneira em que se trate de forma igualitária os iguais e desigualmente desiguais. Se existe esse dever constitucional do Estado há o subjetivo da pessoa portadora de deficiência física", frisou.

De acordo com Walter Carlos, os tributos, enquanto fonte de receita derivada do Estado, devem ser distribuídos igualmente entre os cidadãos, especialmente através da universalidade e da graduação conforme a capacidade econômica. "O legislador não é livre para desigualar contribuintes com capacidades econômicas equivalentes ou igualá-los com capacidades distintas, exceto quando a própria natureza do tributo não o permita. É justamente nesse contexto que são recebidas as isenções tributárias", asseverou. 

O desembargador Felipe Batista Cordeiro proferiu decisão no mesmo sentido garantindo a um menor, portador de atrofia muscular, a isenção do imposto.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado Goiás tem sido uníssona nesse mesmo sentido.

Deficiência mental:

O juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Ari Ferreira de Queiroz, julgou procedente pedido para declarar o direito da portadora de necessidades especiais Alcione de Cássia Godói à isenção definitiva do ICMS e do IPVA sobre veículo que adquiriu para uso e condenou o Estado de Goiás a lhe restituir o valor embutido no preço correspondente ao primeiro tributo. A requerente é incapaz em razão de doença mental, desde os 6 meses de idade, já reconhecida judicialmente em regular processo de interdição, do que decorre incapacidade para gerir a própria vida, tanto que é representada por sua mãe e curadora Conceição Aparecida de Godói. 

O magistrado esclareceu que consta do art. 7, XIV, do Anexo IX, do Regulamento do Código Tributário Estadual, ambos fazendo expressa referência ao portador de deficiência física, o que levou a autoridade administrativa a delimitar o âmbito de concessão da isenção, excluindo o portador de deficiência mental, por força do que dispõe o art. 111, II, do Código Tributário Nacional, que manda interpretar literalmente a legislação tributária que disponha sobre isenções. No entanto, segundo o juiz, a concessão de benefícios fiscais deve ser interpretada de forma literal para não incluir aqueles não pretendidos pelo legislador, mas a interpretação literal não pode se desgarrar da mens legislatoris. 

"É o caso da expressão "deficiência física", ao lado de outras como "louco de todo gênero", esta última, expressamente utilizada no velho Código Civil e que acabou sendo substituída por "pessoa com deficiência mental", frisa, esclarecendo que, no mesmo sentido, a expressão "deficiência física" é daquelas que se pode dizer "politicamente incorreta", tendo sido substituída, ultimamente, por "portador de necessidades especiais" ou, pelo menos, devendo ser excluída de sua interpretação a palavra "física", por ser essencial compreender, no âmbito da deficiência, toda aquela que retire do indivíduo, a capacidade de auto-gestão de sua vida. Desta maneira, Ari de Queiroz afirma não ter nenhum sentido admitir isenção tributária para pessoa portadora de deficiência física e negá-la para o portador de deficiência mental, porque ambos integram uma mesma categoria modernamente denominada de "pessoas portadoras de necessidades especiais". 

A isenção de ICMS e IPVA na aquisição de veículos automotores destinados apessoas portadoras de necessidade especial realiza valor constitucional e como tal deve ter interpretação condizente com seu  status normativo, infensa à questiúnculas formais que rejeitam a concretização do Estado Democrático de Direito.

25 de agosto de 2011

Fabricante responde por carro que concessionária não entregou

A empresa fabricante de veículo deve responder solidariamente em processos movidos por consumidores que, embora pagando, não receberam o bem negociado com a concessionária. Os ministros basearam a decisão em precedente segundo o qual o sistema de comercialização de automóveis, por meio de concessionárias autorizadas, impõe a responsabilidade solidária entre o fabricante e o comerciante. Assim decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O recurso julgado na Terceira Turma foi apresentado por consumidora de São Paulo que fechou negócio para compra de um Fiat novo, dando seu veículo usado como parte do pagamento. Diz o processo que ela chegou a pagar R$ 19.800. No entanto, a concessionária encerrou as atividades e deixou de entregar vários carros, entre eles o da recorrente. A consumidora ingressou na Justiça contra a revendedora e ganhou, mas, como não recebeu o ressarcimento, decidiu acionar também a fabricante.

A juíza de primeira instância reconheceu a responsabilidade da Fiat Automóveis S/A, em sentença que, depois, veio a ser reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). No julgamento da apelação interposta pela empresa, o tribunal considerou que o fato de a concessionária ser vinculada à marca “não implica solidariedade ampla e total da fabricante”.

Os desembargadores observaram que, “se um veículo é vendido e apresenta defeito ou o serviço da concessionária é prestado de forma deficiente, há solidariedade entre a concessionária e a montadora”, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor (CDC). No entanto, segundo eles, a fabricante não tem nenhuma interferência na administração da concessionária e não pode ser responsabilizada por um ato negocial “independente e exclusivo” praticado por esta última, como foi a venda do veículo. Por isso, o TJSP afastou a legitimidade da Fiat para figurar como ré na ação.

No recurso ao STJ, a consumidora afirmou que, ainda que ela não tivesse chegado a adquirir um produto da Fiat, a empresa deveria ter sua responsabilidade solidária reconhecida, pois o negócio lesivo foi feito com uma de suas concessionárias autorizadas – ou seja, com uma empresa escolhida pela fabricante para comercializar seus veículos.

O ministro Sidnei Beneti, relator do recurso, afirmou que a jurisprudência do STJ “tem se posicionado no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o comerciante de veículos”. Como precedente, citou decisão da Quarta Turma no recurso especial 402.356: “Considerando o sistema de comercialização de automóvel, através de concessionárias autorizadas, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo” – o que, inclusive, permite que a demanda seja direcionada contra qualquer um deles.

Em decisão unânime, a Terceira Turma acompanhou o voto do ministro Beneti para dar provimento ao recurso da consumidora e restabelecer a sentença de primeira instância que havia julgado procedente a ação contra a Fiat. 

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

22 de agosto de 2011

Caixa Econômica responde por vício em construção de imóvel popular financiado

A Caixa Econômica Federal (CEF) é parte legítima para responder, solidariamente com a construtora, por vícios existentes em imóvel destinado à população de baixa renda, construído com recursos do Sistema Financeiro da Habitação. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em que a Caixa se dizia ilegítima para compor o polo passivo em ação movida por um mutuário de Santa Catarina.

A Quarta Turma considerou que a Caixa responde tanto quanto a construtora pelos defeitos apresentados nos empreendimentos de natureza popular, pois, além de liberar recursos financeiros, fiscaliza e colabora na execução dos projetos. A Turma apreciou no recurso apresentado pela Caixa apenas a questão da legitimidade. Os requisitos da responsabilidade civil serão apurados pelo juízo processante quando do julgamento da causa. Se os danos não tiverem relação com suas atividades, ficará isenta de indenizar o mutuário.

O caso examinado pela Turma diz respeito a um financiamento para construção de imóvel popular no Conjunto Habitacional Ângelo Guolo, em Cocal do Sul (SC). Em julgamento na primeira instância, o juízo excluiu a Caixa Econômica do polo passivo da ação e encaminhou o processo para a Justiça estadual. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reintegrou a Caixa no polo passivo e declarou a competência da Justiça Federal. O STJ manteve a decisão do TRF4.

De acordo com o relator, ministro Luis Felipe Salomão, tendo em vista o caráter social do empreendimento e as normas sobre financiamento da casa própria, a Caixa se encontra vinculada com o construtor perante o mutuário, devendo ser apurada sua responsabilidade no curso da instrução processual. A Caixa sustentou que somente a construtora deveria responder pelo vício na construção do imóvel e dizia não ter assinado nenhum contrato assumindo responsabilidades em relação a isso.

O ministro Luís Felipe Salomão ressaltou que, nesses casos, as operações básicas de construção e financiamento acabam se fundindo em um único negócio, o da casa própria. O dever do agente financeiro de fiscalizar o andamento e a qualidade das obras decorre de lei e determinações dos órgãos reguladores, sendo o principal pilar do Sistema Financeiro da Habitação o atendimento às famílias de baixa renda. Segundo a Lei 4.380/64, é dever do governo formular políticas que orientem a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações populares.

“A fiscalização e sua consequente responsabilização fortalecem o sistema em prol do mutuário e também das garantias exigidas da construtora, em razão do que, se a instituição financeira escolheu mal a quem financiar ou não fiscalizou adequadamente a obra, é justo que o risco de surgimento de vícios na construção recaia sobre ela, não se mostrando razoável – na verdade, contrário ao comando constitucional de proteção ao consumidor – que o comprador arque sozinho com eventual prejuízo”, destacou o ministro.

Diante de falhas de produtos ou serviços, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) responsabiliza civilmente todos aqueles que participam da cadeia de produção. O ministro destacou que, ao celebrar um contrato de financiamento com a Caixa, o consumidor acredita numa garantia entre a construtora e o órgão financiador, e essa legítima expectativa deve ser tutelada.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Corte do STJ começa a julgar incidente de inconstitucionalidade sobre sucessão em união estável

Um pedido de vista antecipado do ministro Cesar Asfor Rocha interrompeu o julgamento, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de incidente de inconstitucionalidade dos incisos III e IV do artigo 1.790 do Código Civil, editado em 2002 – que inovou o regime sucessório dos conviventes em união estável. A questão tem gerado intenso debate doutrinário e jurisprudencial.  

O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, em seu voto, declarou a inconstitucionalidade dos dois incisos do artigo 1.790 do CC/2002, para que, na ausência de ascendentes e de descendentes do falecido, o companheiro sobrevivente receba a totalidade da herança.

Segundo o ministro, evidentemente, união estável e casamento são institutos diversos, e isso nem precisaria ser dito pela Constituição Federal porque, em alguma medida, reside no mundo do “ser” e não no mundo do “dever ser”. “Assim, subjaz à parte final do parágrafo 3º do artigo 226 da CF/88 uma simples constatação de que, natural e faticamente, em razão da informalidade dos vínculos, a união estável é mais fragilizada que o casamento e, por isso mesmo, propicia menos segurança aos conviventes”, afirmou.

O relator destacou, entretanto, que não há como sustentar que a Constituição de 1988 tenha adotado predileção pela família constituída pelo casamento, relegada às uniões estáveis e às famílias monoparentais apenas a qualidade de “entidades familiares”, como se elas fossem algo diferente de uma família.

“O mais importante para a Constituição, parece, é que essas famílias, agora multiformes, recebam efetivamente a ‘especial proteção do Estado’, e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que pelo casamento o Estado protege melhor esse núcleo doméstico chamado família”, frisou o ministro.

Para Salomão, a união estável não representa um estado civil de passagem, como um degrau inferior que, em menos ou mais tempo, cederá vez ao casamento. “É ato-fato jurídico despojado de formalidade que, por vezes, revela exteriorização vicejante da liberdade e da autodeterminação da pessoa de se relacionar e conviver com quem melhor lhe aprouver, sem que sua vida privada – que é, sobretudo, plasmada na afetividade e cuja inviolabilidade é garantida pela própria Constituição – seja timbrada pelo Estado”, destacou.

Assim, de acordo com o ministro Salomão, o estabelecimento, pelo artigo 1.790, incisos III e IV do CC/2002, de uma ordem de vocação hereditária para a união estável diferenciada daquela prevista para o casamento (artigo 1.829) atenta contra a Constituição, especialmente contra o artigo 226 e o caput do artigo 5º, uma vez que concede tratamento desigual à união estável exatamente onde esta se iguala ao casamento, que é nos vínculos afetivos decorrentes das relações familiares. 


Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensado STJ

15 de agosto de 2011

STF: Aprovado em concurso dentro das vagas tem direito à nomeação


O Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a um Recurso Extraordinário (RE) 598099 em que o estado do Mato Grosso do Sul questiona a obrigação da administração pública em nomear candidatos aprovados dentro no número de vagas oferecidas no edital do concurso público. A decisão ocorreu por unanimidade dos votos.

O tema teve repercussão geral reconhecida tendo em vista que a relevância jurídica e econômica da matéria está relacionada ao aumento da despesa pública. No RE se discute se o candidato aprovado em concurso público possui direito subjetivo à nomeação ou apenas expectativa de direito.

O estado sustentava violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput e inciso IV, da Constituição Federal, por entender que não há qualquer direito líquido e certo à nomeação dos aprovados, devido a uma equivocada interpretação sistemática constitucional. Alegava que tais normas têm o objetivo de preservar a autonomia da administração pública, conferindo-lhe margem de discricionariedade para aferir a real necessidade de nomeação de candidatos aprovados em concurso público.

Boa-fé da administração – 
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital. Entendo que o dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público, disse o ministro, ao ressaltar que tal fato decorre do necessário e incondicional respeito à segurança jurídica. O STF, conforme o relator, tem afirmado em vários casos que o tema da segurança jurídica é pedra angular do Estado de Direito, sob a forma da proteção à confiança.

O ministro relator afirmou que quando a administração torna público um edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela, impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado-administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento, avaliou.

Dessa forma, segundo Mendes, o comportamento da administração no decorrer do concurso público deve ser pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos.

Direito do aprovado x dever do poder público –
De acordo com relator, a administração poderá escolher, dentro do prazo de validade do concurso, o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público

Condições ao direito de nomeação
O ministro Gilmar Mendes salientou que o direito à nomeação surge quando se realizam as condições fáticas e jurídicas. São elas: previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso; realização do certame conforme as regras do edital; homologação do concurso; e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previstos no edital em ordem de classificação por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.

Conforme Mendes, a acessibilidade aos cargos públicos constitui um direito fundamental e expressivo da cidadania. Ele destacou também que a existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do poder público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade da administração se resume ao momento da nomeação nos limites do prazo de validade do concurso, disse.

Situações excepcionais
 No entanto, o ministro Gilmar Mendes entendeu que devem ser levadas em conta "situações excepcionalíssimas" que justifiquem soluções diferenciadas devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da administração de nomear novos servidores, salientou o relator.

Segundo ele, tais situações devem apresentar as seguintes características:

Superveniência - eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação de edital do certame público; Imprevisibilidade - a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias à época da publicação do edital; Gravidade os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; Crises econômicas de grandes proporções; Guerras; Fenômenos naturais que causem calamidade pública ou comoção interna; Necessidade a administração somente pode adotar tal medida quando não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível.

O relator avaliou a importância de que essa recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada e, dessa forma, seja passível de controle por parte do Poder Judiciário. Mendes também salientou que as vagas previstas em edital já pressupõem a existência de cargos e a previsão de lei orçamentária, razão pela qual a simples alegação de indisponibilidade financeira desacompanhada de elementos concretos tampouco retira a obrigação da administração de nomear os candidatos.

Ministros –
Segundo o ministro Celso de Mello, este julgamento é a expressão deste itinerário jurisprudencial, que reforça, densifica e confere relevo necessário ao postulado constitucional do concurso público. Por sua vez, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha afirmou não acreditar numa democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na administração.

Para o Março Aurélio, o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo. Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão, completou.

Fonte: STF

Pais de cobrador falecido em acidente serão indenizados por dano moral


Os pais de um cobrador de ônibus da empresa carioca de transporte coletivo Turismo Transmil Ltda., falecido em um acidente rodoviário no exercício de suas funções, ganharam R$ 50 mil de indenização por danos morais pela morte do filho. A empresa vinha recorrendo da condenação, mas a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu do recurso e assim ficou mantida a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro) que confirmou a sentença do primeiro grau.

O empregado faleceu aos 19 anos de idade. O TRT considerou que a empresa desenvolvia atividade de risco e decretou a sua responsabilidade objetiva pelo ocorrido, que prescinde da comprovação de culpa no acidente de trabalho. O Tribunal Regional entendeu que é indiscutível o risco da atividade empresarial da Transmil, uma vez que o empregado ficava exposto diariamente e ininterruptamente ao trânsito. Naquele caso, havia ainda o agravante de o trajeto ser atravessado uma linha de trem, ressaltou.

Contrariada, a empresa recorreu à instância superior, sustentando ser indevida a responsabilidade objetiva que lhe fora atribuída, pois não via risco na sua atividade. Defendeu ainda a exclusão da condenação caso sua responsabilidade fosse reconhecida pelo critério subjetivo, com a justificativa que não havia prova de sua conduta dolosa ou culposa no acidente, que teria ocorrido por culpa de terceiro.

De acordo com o exame do caso feito pelo relator na Sexta Turma do TST, ministro Maurício Godinho Delgado, o recurso da empresa não conseguiu satisfazer os requisitos técnicos que admitissem o seu conhecimento. O relator informou que se aplica ao presente caso a Súmula nº 187 do Supremo Tribunal Federal, que estabelece que a responsabilidade do transportador, por acidente com o passageiro, é mantida mesmo tendo ocorrido por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

O acidente ocorrido com o cobrador atrai a responsabilidade civil objetiva do transportador rodoviário, a qual prescinde da comprovação de culpa, por força do artigo 17 do Decreto nº 2.681, de 7 dezembro de 1912. Maurício Godinho ressaltou ainda que, embora essa legislação trate de responsabilidade referente a estradas de ferro, ela é aplicável, por analogia, à empresa transportadora, conforme, conforme precedentes do STF.

O ministro esclareceu também que, a despeito de aquela norma referir-se aos danos causados aos passageiros,, não se pode restringi-la em detrimentos dos empregados, que são os que mais se expõem aos riscos da atividade, ao lidarem diariamente com o perigo e a má conservação das rodovias do país e, assim, ficarem mais propensos a acidentes do que os demais, sob pena inclusive de afronta à dignidade da pessoa humana e à valorização mínima deferível ao trabalho (artigo 1º, inciso III e 170, caput, da Constituição de 1988).

A empresa questionou também o valor da condenação, que considerou alto e capaz de acarretar enriquecimento sem causa do indenizado. A alegação era a de que os pais do empregado são pessoas humildes, residentes em bairro de classe média, com rendimento inferior a dois salários mínimos mensais. Isso, segundo a empresa, reforça a indústria de danos morais, pois representa oito anos de trabalho. Nesse ponto, o relator esclareceu que o valor foi fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade, observando a gravidade da lesão e o valor da indenização, com a certeza que o ato ofensor não fique impune e sirva de desestímulo a práticas inadequadas aos parâmetros da lei.

O TRT-RJ, por sua vez, registrou que a extensão do dano não se mede pela capacidade econômica da vítima, data vênia. Acrescentou que ao contrário, supõe-se que a morte de um filho seja uma perda igualmente grande para qualquer família, não sendo possível cogitar que o luto daquelas mais abastadas seja mais doloroso que a das menos providas. De acordo com TRT, a extensão do dano não poderia ser maior. A vida do trabalhador foi subtraída quando, ainda com 19 anos, estava no auge de sua juventude.

O voto do relator foi seguido por unanimidade. 

Fonte: Portal Nacional do Direito do Trabalho

Racismo: decisões judiciais estabelecem parâmetros para repressão à intolerância


Racismo é o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e etnias. É uma doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura ou superior) de dominar as outras. Por fim, é um preconceito extremado contra indivíduos pertencentes a uma raça ou etnia diferente, considerada inferior. Seguindo esse entendimento do dicionário Houaiss, percebe-se que, apesar de toda a modernidade, ainda é comum encontrarmos casos de discriminação e preconceito por causa de diferenças étnicas.

As leis e a sociedade mostram que o racismo é uma atitude que deve ser abolida por completo, mas, ainda hoje, muita gente não se deu conta disso. Os preconceitos e as discriminações continuam. E vale lembrar que, pela Constituição Brasileira, racismo é crime imprescritível e inafiançável.

Chamado constantemente a proteger valores como a igualdade, a dignidade e a honra dos cidadãos brasileiros, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem formando jurisprudência sobre o tema. Confira alguns julgamentos importantes.

Portão da discórdia:

O pioneiro deles é o REsp 258.024. Julgado em 2001, o recurso tratou de indenização por danos morais devido a agressões verbais manifestamente racistas. A Terceira Turma confirmou decisão de primeiro e segundo graus que condenaram o ofensor a indenizar um comerciário em 25 salários mínimos.

O comerciário instalava um portão eletrônico, quando o homem se aproximou e começou a fazer comentários contra o serviço. O instalador tentou ponderar que se tratava de uma benfeitoria cuja finalidade era proteger os moradores da vila, que haviam decidido por maioria a colocação do equipamento, quando começou a ser agredido verbalmente pelo outro, morador do local.

Diante do ocorrido, a vítima acionou o Judiciário para resgatar sua dignidade e honra, que foram feridas por ofensas descabidas. Na ação, pediu uma indenização de 200 salários mínimos, mais juros e correção monetária, e que o agressor também pagasse os honorários advocatícios e as custas processuais, já que ele havia requerido o beneficio da justiça gratuita.

O agressor, por sua vez, negou as acusações, afirmando tratar-se de um lamentável mal entendido e alegou que as testemunhas que confirmaram a história não seriam idôneas. Argumentou que a ação era um atentado à realidade dos fatos, representando mais um capitulo de verdadeira expiação por que vinha passando desde que, no exercício da cidadania, e em defesa de seus direitos, denunciou a ocupação e a apropriação indébita, pela quase totalidade dos moradores da vila onde habita, de bens de uso comum do povo, como a rua e a calçada.

Em primeira instância, após análise das consequências dos fatos e da situação econômico-financeira dos litigantes, verificou-se que o agressor não era pessoa de grandes posses. Por isso, a indenização por danos morais foi fixada no equivalente a 25 salários mínimos e o pagamento dos honorários advocatícios, em 10% do valor da condenação. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou a apelação interposta pelo ofensor, que recorreu ao STJ.

O relator do processo, ministro Waldemar Zyeiter, destacou que as instâncias ordinárias são soberanas na apreciação da prova e manteve a condenação. Porém, como o pedido foi concedido em parte, os honorários advocatícios deveriam ser repartidos tanto pelo agressor quanto pela vítima.

Antissemitismo:

Outro caso que chamou a atenção foi o julgamento do HC 15.155, ocasião em que o STJ, em decisão inédita, classificou discriminação e preconceito como racismo. A Quinta Turma manteve condenação de um editor de livros por editar e vender obras com mensagens antissemitas. A decisão foi uma interpretação inédita do artigo 20 da Lei 7.716/89, que pune quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça.

No habeas corpus, a defesa sustentou que o editor de livros não poderia ser condenado pela prática do racismo, pois o incitamento contra o judaísmo, de que foi acusado, não teria conotação racial.

Para o relator, ministro Gilson Dipp, a condenação do editor se deu por delito contra a comunidade judaica, não se podendo abstrair o racismo de tal comportamento. “Não há que se fazer diferenciação entre as figuras da prática, da incitação ou indução, para fins de configuração do racismo, eis que todo aquele que pratica uma destas três condutas discriminatórias ou preconceituosas é autor do delito de racismo, inserindo-se, em princípio, no âmbito da tipicidade direta”, afirmou.

O ministro destacou que tais condutas caracterizam um crime formal, de mera conduta, por isso não se exige a realização do resultado material para sua configuração, bastando, para tanto, a concretização do comportamento típico, como descrito na legislação, com a intenção de sua realização. O entendimento foi seguido pela maioria do colegiado da Quinta Turma.

Racismo no ar:

No julgamento do HC 63.350, a Quinta Turma determinou que dois comissários de bordo da American Airlines, acusados de racismo, prestassem depoimento à Justiça brasileira no processo a que respondiam. A Turma negou pedido para que eles fossem interrogados nos Estados Unidos, onde residem.

Os dois comissários foram processados por terem agredido um passageiro brasileiro em junho de 1998, durante um voo da empresa que saía de Nova Iorque com destino ao Rio de Janeiro. Depois de um desentendimento com o passageiro por causa de assento, um deles teria dito: “Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado, depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro.” Segundo o processo, o outro comissário também teria cometido o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei 7.716, por incentivar o colega e por tentar agredir fisicamente o brasileiro.

Seguindo voto do relator do processo, ministro Felix Fischer, a Turma manteve a ação penal por entender que a intenção dos comissários foi humilhar o passageiro exclusivamente pelo fato de ele ser brasileiro. A ideia do ofensor foi ressaltar a superioridade do povo americano e a condição inferior do povo brasileiro. Para os ministros, houve agressão à coletividade brasileira.

Discriminação em clube:

No HC 137.248, a Sexta Turma negou habeas corpus a um ex-presidente e cofundador de um clube, localizado em Uberaba (MG). Ele foi acusado do crime de racismo enquanto exercia a direção do estabelecimento. O ex-presidente teria impedido a aquisição de cota da agremiação por uma mulher negra sem nenhuma justificativa. Posteriormente, o marido da vítima teria gravado uma conversa na qual se discutiriam as supostas práticas racistas dentro do clube.

A defesa alegou que a prova seria ilegal. Porém, para o relator do caso, desembargador convocado Celso Limongi, a suposta prova ilegal não causou prejuízos à defesa as demais provas apresentadas não eram derivadas dessa.

Preconceito na piscina:

Ao julgar o RHC 24.820, a Quinta Turma negou pedido de trancamento de ação penal a um homem condenado por instigar discriminação racial contra uma adolescente que residia no mesmo condomínio que ele. A menina era filha de empregada doméstica e morava no apartamento onde a mãe trabalhava. A jovem fez amizade com outras adolescentes que moravam no mesmo condomínio e passou a frequentar a piscina do prédio.

O homem, que exercia a função de síndico, informou ao morador do apartamento em que a menina vivia que não era permitido aos empregados usar a piscina – proibição que se estendia à garota, por ser filha de uma empregada doméstica. Na ocasião, um funcionário encerrou o acesso à piscina antes do horário habitual. A mãe da menina registrou um boletim de ocorrência quando soube das restrições impostas pelo então síndico.

O relator do processo, ministro Jorge Mussi, ressaltou que o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus só é admissível quando a ausência de indícios que fundamentam a acusação é demonstrada sem a necessidade de reexame das provas. Para ele, o argumento foi enfraquecido, também, pela existência de posterior sentença condenatória.

Internet:

No julgamento de um conflito de competência, o STJ entendeu que o crime de racismo praticado por meio de mensagens publicadas em uma mesma comunidade da internet deve ser processado em um mesmo juízo. Por essa razão, determinou a competência da Justiça Federal de São Paulo para investigar discriminação praticada contra diversas minorias, como negros, judeus e homossexuais.

O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo deu início à apuração. Após verificar que os acessos dos investigados à internet ocorriam a partir de estados como Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, o MP pediu o desmembramento das investigações. O pedido foi acolhido pela Justiça Federal em São Paulo, mas o juízo federal do Rio de Janeiro se recusou a dar seguimento ao processo desmembrado.

Em seu voto, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, concluiu que a conexão entre as condutas dos investigados também poderia ser verificada em razão de serem idênticas e consumadas na mesma comunidade virtual do mesmo site de relacionamento.

Índios:

Em um caso polêmico (REsp 911.183), a Quinta Turma absolveu um apresentador de TV do crime de racismo. Ele havia sido condenado a dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto, por ter ofendido etnias indígenas por ocasião de demarcação de terras em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para a Turma, não houve crime de racismo, mas exacerbação do pensamento num episódio conturbado que ocorria na região.

Segundo descreve a acusação, o apresentador teria, em cinco oportunidades, entre janeiro e maio de 1999, incitado a discriminação contra grupos indígenas em disputa com colonos pelas terras das reservas de Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Xapecó e Condá. O STJ entendeu que houve exteriorização da opinião acerca de uma situação grave, descrição de comportamentos, mas não necessariamente incitação ao racismo.

No julgamento do REsp 157.805, a Quinta Turma, pela impossibilidade de reexaminar provas, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que inocentou um jornalista acusado do crime de racismo. Ele foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal por ter publicado em sua coluna uma piada que comparava uma candidata a deputada pelo Rio de Janeiro a uma macaca, o que, de acordo com o denunciante, incitaria a discriminação e o preconceito de raça e de cor.

O mesmo aconteceu no REsp 273.067. A Sexta Turma não examinou a acusação de crime de racismo contra um jornalista e manteve decisão do Tribunal de Justiça do Ceará, que o inocentou ao entendimento de que não houve comprovação de dolo, ou seja, da vontade livre e consciente de praticar o crime.

Em seu voto, o relator, ministro Fernando Gonçalves, destacou que, para verificar a existência desse elemento subjetivo, seria necessário o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.

Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

10 de agosto de 2011

É possível indenização por dano moral a diferentes núcleos familiares da vítima


A indenização por danos morais paga aos familiares mais próximos de uma vítima de acidente não exclui, automaticamente, a possibilidade de que outros parentes venham a ser indenizados. 

Esse entendimento, de que pode haver indenização pelo mesmo evento a diferentes núcleos familiares, foi adotado pelo ministro João Otávio de Noronha e confirmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de recurso movido por parentes de um trabalhador cujo núcleo familiar principal já havia sido indenizado.

A esposa e os três filhos de um dos funcionários mortos no acidente com a plataforma P-36 da Petrobras, em 15 de março de 2001, haviam feito acordo para receber de R$ 1 milhão, a título de indenização por danos morais e materiais. Depois disso, em outra ação, a mãe, os irmãos e o sobrinho do funcionário também pediram indenização.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou a indenização, por entender que os parentes mais próximos excluem os mais afastados, e que a empresa não pode ser obrigada a pagar indenização maior por causa do tamanho da família. Segundo o tribunal estadual, a indenização aos outros parentes – mais afastados – está incluída na quantia paga à viúva e aos filhos.

“O agente causador do dano deve indenizar o fato lesivo que atingiu a família da vítima”, frisou o acórdão do TJRJ, ao considerar descabida a pretensão indenizatória dos demais familiares, pois já teria havido a reparação à família atingida pelas consequências do acidente. O acórdão destacou também o fato de que os outros parentes que reivindicam reparação “nem mesmo residiam na mesma casa do vitimado”.

Entretanto, a decisão destoa da jurisprudência pacificada pelo STJ. Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a indenização recebida por esposa e filhos não impede os pais e outros parentes de vítima fatal de ajuizarem ação indenizatória por danos morais.

“Não há solidariedade entre os parentes de vítima no que diz respeito à indenização por dano moral”, afirmou o relator, acrescentando que o acordo feito pela Petrobras com o núcleo familiar principal da vítima “não faz desaparecer o direito dos demais à indenização, tendo em vista a independência da relação de parentesco. Possível, portanto, haver o pagamento de indenização a núcleo familiar diverso do principal pelo mesmo evento”.

O ministro lembrou que “houve somente um fundamento” para a decisão do tribunal fluminense, ou seja, “a impossibilidade de indenizar-se duplamente, pelo mesmo evento danoso, grupo familiar diverso do principal” – e esse fundamento está em conflito com a jurisprudência do STJ. Por isso, em decisão monocrática – confirmada depois pela Quarta Turma –, o relator determinou que o processo retorne à Justiça do Rio de Janeiro para que se analise o cabimento dos pedidos indenizatórios. “Se serão devidos ou não e em que monta é questão a ser tratada pelo juízo de origem, a quem cabe a análise de fatos e provas presentes nos autos”, explicou o ministro.

Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

Banco do Brasil condenado por inscrever cliente com conta inativa no SPC

A 2ª Câmara de Direito Civil do TJ manteve sentença da comarca de Criciúma, que condenou o Banco do Brasil S/A ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 4 mil, em favor de cliente.

A instituição bancária inscreveu o nome do autor no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), devido a tarifas não pagas. No entanto, a conta do cliente estava inativa, sem qualquer movimentação. O BB, por sua vez, sustentou que a inscrição do nome do autor era devida, pois havia dívida pendente.

Segundo o relator da matéria, desembargador Nelson Schaefer Martins, foram anexadas cópias de extratos bancários da conta de Valmir, dos quais se observa que não houve movimentação financeira durante dois anos. A Resolução do BACEN n. 2025/1993, no seu art. 2º, parágrafo único, considera inativa a conta-corrente sem movimentação financeira por mais de 6 meses, acrescentou.

O magistrado concluiu que a instituição bancária não pode cobrar tarifas ou taxas sobre serviços disponibilizados que não foram efetivamente utilizados, e de cuja incidência o consumidor nem sequer tem conhecimento. A votação foi unânime

Fonte: Poder Judiciário de Santa Catarina

Combinação de fatos menores pode configurar ato de improbidade

Atos que isoladamente não configuram ato de improbidade administrativa podem, ao serem somados, caracterizar a violação aos princípios da legalidade e da moralidade administrativa, atraindo a incidência do artigo 11 da Lei 8.429/92. A decisão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A tese foi discutida no julgamento de um recurso especial do Ministério Público, autor de ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra José Irineu Rodrigues, ex-prefeito de Carvalhópolis (MG). Ele teria contratado ilegalmente um posto de combustível que tem a sua filha como sócia-gerente.

Os magistrados mineiros afastaram a ocorrência de improbidade administrativa porque a contratação foi precedida de licitação, ainda que em modalidade inadequada. Além disso, eles consideraram que não houve prejuízo ao erário nem comprovação de dolo ou má-fé.

Primeiramente, o relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, destacou que, segundo a jurisprudência do STJ, não é preciso caracterizar dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito para que um ato seja enquadrado como improbidade administrativa.

Marques afirmou que o simples fato de a filha do prefeito integrar o quadro societário de uma das empresas vencedoras da licitação realmente não constitui ato de improbidade administrativa. Contudo, ele observou que essa relação de parentesco não é um dado isolado no caso. Perícia demonstrou que a modalidade de licitação escolhida (carta-convite) era inadequada para a contratação pretendida, em razão do valor do objeto licitado.

O relator concluiu que a participação da filha do prefeito em uma sociedade contratada pela administração com base em licitação inadequada, por vício na escolha da modalidade, é circunstância objetiva que induz à configuração do elemento subjetivo doloso, resultando em improbidade administrativa.

Marques esclareceu que, analisando a versão dos fatos mais favorável aos réus, observou a existência de vários elementos que, de forma isolada, não configurariam improbidade administrativa. Contudo, quando esses elementos são somados, a improbidade mostra-se presente.

“No esforço de desenhar o elemento subjetivo da conduta, os aplicadores da Lei 8.429/92 podem e devem guardar atenção às circunstâncias objetivas do caso concreto porque, sem qualquer sombra de dúvida, elas podem levar à caracterização do dolo, da má-fé”, afirmou Marques no voto.

Todos os ministros da Segunda Turma deram provimento ao recurso do Ministério Público.

Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensado STJ