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Há
situações que podem deixar alguém embaraçado: uma piada desconfortável, um
gesto grosseiro, um comentário impertinente... Algumas delas, entretanto,
extrapolam os limites das chateações cotidianas tão comuns nas relações sociais
e passam a requerer uma reparação. São os casos de constrangimento moral, os
episódios humilhantes diante dos quais, muitas vezes, nem a ação da Justiça
parece trazer conforto.
O banco
de jurisprudência do STJ reúne milhares de casos sobre constrangimento moral,
que vão desde falsos registros em cadastros de devedores, passando por notícias
inconvenientes em jornais e revistas, até humilhações em bancos e lojas. Aos
magistrados cabe a tarefa de dizer se há ou não exagero nas alegações, se houve
mesmo exposição ao ridículo ou se tudo não passou de simples aborrecimento e,
quando for o caso, de avaliar criteriosamente o montante da indenização.
Salário
inexplicável
Em
2009, o STJ julgou um caso em que o estado do Rio Grande do Sul foi obrigado a
pagar indenização por ter vazado lista com os 200 maiores salários pagos a
servidores. Detalhe: contudo, a lista trazia erro. O dano foi agravado pela
publicação da lista em uma reportagem jornalística que apresentou o nome do
servidor e seu salário corretamente, mas lhe atribuiu um cargo que jamais
exerceu, fazendo a remuneração parecer desproporcional.
Os
ministros afirmaram na ocasião que a sociedade tem o direito de conhecer o
salário dos servidores, pois é uma forma de controle necessária no Estado
Democrático de Direito. Todavia, há a responsabilidade civil do estado pela
imprecisão dos dados divulgados. No caso, os dados foram veiculados
incorretamente na imprensa por conta do erro estatal e expôs a pessoa ao
ridículo ao apresentar um suposto operador de VT como detentor de um dos
maiores salários da administração (REsp 718.210).
Outro
caso de constrangimento julgado pelo STJ envolveu um contínuo que, em novembro
de 2009, foi expulso de um vagão exclusivo para mulheres no metrô do Rio de Janeiro.
Ele alega que entrou distraído no vagão, quando um guarda o retirou bruscamente
pelo braço, rasgando sua camisa, e depois o levou para uma sala onde teria sido
intimidado verbalmente por seguranças da empresa.
A
companhia responsável pela locomotiva foi condenada a pagar R$ 15 mil de
reparação. Os magistrados consideraram que o contínuo deveria ter sido
convidado a deixar o vagão antes de qualquer outra atitude por parte da
segurança, mas, com base no que foi relatado nos autos, entenderam que houve
uma situação de exposição ao ridículo (AREsp 385.125).
Fora do
normal
Em
algumas decisões, o STJ estabeleceu que deve ser tida como humilhante qualquer
situação que fuja à normalidade e que seja capaz de interferir no estado
psicológico do indivíduo a ponto de lhe causar aflição, angústia ou
desequilíbrio em seu bem-estar. Para o tribunal, não há humilhação quando se
constata que não houve tratamento abusivo (REsp 658.975).
Ao
analisar o caso de uma pessoa que reclamava do aborrecimento sofrido diante do
mau funcionamento da porta giratória de um banco, o ministro Castro Filho (já
aposentado) explicou que o dano pode resultar do constrangimento acarretado não
pela situação em si, mas por seus desdobramentos (REsp 551.840).
Para
conseguir entrar na agência, o cidadão precisou fazer várias tentativas, ao
longo das quais foi retirando todos os pertences que contivessem partes
metálicas, até mesmo cintos e botas, situação que se prolongou por mais de 20
minutos.
O
ministro concluiu que o pagamento da indenização era devido não pelo mau
funcionamento da porta giratória, mas pela maneira como os prepostos do banco
agiram diante da situação. Para ele, a conduta dos empregados ou da instituição
frente a um problema desses pode minorar seus efeitos ou agravá-los.
Castro
Filho considerou que a existência de porta com detector de metais nas agências
é necessária para a segurança de todos, e isso às vezes causa aborrecimentos
para os clientes. Mas, segundo o ministro, dependendo de como o pessoal do
banco conduza a situação, o que seria um simples contratempo pode se converter
em fonte de vergonha e humilhação, capaz de justificar indenização.
Em
processo julgado em 2005, os ministros reconheceram o dano sofrido no Rio Grande
do Sul por um consumidor quando o alarme antifurto soou no momento em que ele
deixava o estabelecimento comercial. Nenhum dos empregados da loja percebeu de
imediato que a etiqueta de segurança não fora destacada por equívoco do caixa.
O consumidor ficou por algum tempo envolvido em uma situação de estresse na
frente de outras pessoas, o que configurou direito a indenização (REsp
552.381).
Diploma
demorado
O
constrangimento pode resultar da demora na expedição de um diploma de curso
superior, por exemplo. A Terceira Turma, ao analisar um desses casos, entendeu
que a demora de mais de dois anos para a instituição de ensino expedir o
diploma é fato grave, apto a gerar indenização por danos morais.
Os
responsáveis pela escola não alertaram os alunos acerca da impossibilidade de
registro do diploma quando da conclusão do curso. Os ministros consideraram que
a demora expôs o aluno ao ridículo, especialmente porque ele concluiu a
faculdade, mas não pôde exercer sua profissão (REsp 631.204).
Uma
situação que comumente causa constrangimentos é a cobrança de dívida,
especialmente quando feita em locais públicos e na presença de outras pessoas.
O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não permite cobranças em
que o devedor seja exposto ao ridículo nem que ele seja submetido a situações
vexatórias (REsp 412.560).
Em caso
julgado em 2010, a Terceira Turma condenou um banco a pagar R$ 50 mil a uma
aposentada como indenização por cobrança indevida e pela injusta inclusão de
seu nome na Serasa.
A
aposentada havia comprado um aparelho de videocassete em 12 parcelas. Embora
informasse já ter pago a dívida completamente, continuava a receber
correspondência de cobrança.
O auge
do constrangimento ocorreu quando tentou tomar um empréstimo para custear
despesas do casamento da filha, porém não conseguiu o financiamento porque
estava na condição de devedora inadimplente. Ela ingressou na Justiça e ganhou
o direito à reparação.
Fofoca
social
Um
famoso ator de TV ajuizou ação de indenização contra revista por ter publicado foto em que ele aparecia beijando uma mulher desconhecida,
fato que, segundo disse, teria provocado consequências para sua família e
abalado seu casamento (REsp 1.082.878).
Ao não
conhecer do recurso interposto pela revista, a ministra Nancy Andrighi
considerou que o ator, por ser figura pública, tem o direito de imagem mais
restrito do que outras pessoas, e assumiu o risco de ter sua fotografia
publicada.
A foto
foi tirada em local público – um estacionamento próximo do restaurante onde o
ator esteve – e retratava uma situação que realmente aconteceu. A ministra
afirmou que, em certas profissões, a divulgação de fofocas pode até beneficiar
o artista, contribuindo para a ideia de glamour que ronda tais carreiras.
Mesmo
com essas considerações, ficou mantida a indenização de R$ 5 mil imposta pelo
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A primeira instância havia fixado
indenização de R$ 40 mil.
Casamentos
Ainda
na área de fofocas sociais, a Terceira Turma entendeu que uma editora
deveria pagar indenização por dano moral e material a atleta, por reproduzir sem
autorização fotos de seu casamento
(REsp 1.461.352).
Os
ministros não conheceram do recurso da editora contra a condenação fixada pela
Justiça de São Paulo, que entendeu que a revista ultrapassou em muito os
limites da liberdade de informação.
A Justiça paulista
considerou a manchete depreciativa, pois induzia o leitor a pensar que o atleta,
embora renomado, seria um mero aproveitador que vivia à custa do pai e
passaria a desfrutar da riqueza da esposa.
A
indenização por danos materiais pela reprodução não autorizada das fotos foi
fixada em R$ 30 mil. A reparação dos danos morais causados pela manchete
considerada depreciativa à honra do atleta ficou em R$ 50 mil.
Já em um caso
envolvendo não famosos, em 2008, os ministros reconheceram a necessidade de
reparação a uma mulher que teve publicada por jornal do Rio Grande do Norte uma
foto em que aparecia ao lado de homem apresentado como seu noivo (REsp
1.053.534). A notícia era que se casariam, mas na verdade não era ela a noiva.
A mulher estava, sim, de casamento marcado, mas com outra pessoa. O STJ
restabeleceu o valor da sentença, que fixou a indenização em R$ 30 mil.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça.