26 de agosto de 2011

Mesmo que não possa dirigir, deficiente tem isenção dos impostos para compra de veículo

A isenção legal de impostos à aquisição de veículo por pessoa deficiente não pode ser interpretada restritivamente, sob pena de violar princípios constitucionais. A isenção de ICMS e IPVA tem como objetivo facilitar a aquisição de automóvel por pessoa portadora de necessidades especiais, amenizando as dificuldades próprias de sua condição, não podendo, inclusive,  beneficiar apenas aquelas capazes de dirigir um 'veículo adaptado', sob pena de discriminar outras que, pela extensão das dificuldades, podem até necessitar mais desse meio de locomoção .

Recentemente a Justiça de Goiana concedeu segurança a um portador de deficiência visual para que ele tenha direito a comprar um veículo isento do pagamento de IPVA e ICMS. A legislação do Estado já concede isenção dos impostos para automóveis conduzidos por pessoas com deficiência. Neste caso, no entanto, o impetrante do mandado de segurança não tem condições de dirigir. Ainda assim, requisitou o benefício, concedido pela Justiça. 

 Fazer qualquer distinção entre os que dirigem e os que não dirigem beneficiaria as deficiências menos graves em detrimento das outras. 

O escritório de advocacia OLIVEIRA, VALLE & RANGEL, representado cliente com deficiência visual, impetrou Mandado de Segurança  em face do Secretário da Fazenda do Estado de Goiás, visando obter a imediata isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) na aquisição de veículo automotor novo, bem como do respectivo Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA).

O impetrante é portador de cegueira legal e irreversível em ambos os olhos, doença que lhe ocasiona a perda de visão e a incapacidade de locomoção, necessitando de intenso acompanhamento médico, principalmente nas especialidades de neurologia e oftalmologia,bem como de um veículo que facilite seu deslocamento, ainda que este tenha que ser dirigido por terceiros. 

O Estado de Goiás apresentou contestação, alegando inexistência de direito líquido e certo, já que o bem que o Impetrante pretende adquirir é um veículo convencional, a ser conduzido por terceiros, e não um veículo adaptado, conforme exige a legislação para o deferimento do pedido de isenção pretendido. 

Segundo o Relator, Desembargador Floriano Gomes, “a Legislação isenta o Impetrante, pela sua condição de portador de necessidades especiais, do pagamento de ambos os impostos (IPVA e ICMS), mesmo que não tenha condições físicas para dirigir pessoalmente o automóvel, necessitando da ajuda de terceiro.”

O relator salientou, ainda, que “para não ofender preceitos constitucionais, a referida lei deve ser interpretada de forma extensiva no sentido de incluir, nas isenções nela indicadas, aquele portador de deficiência que, em razão de seu maior grau, não tem condições para dirigir pessoalmente veículo automotor, necessitando, pois, da ajuda de terceiro. Isso porque, a interpretação meramente literal da norma tributária em situações tais, fere os princípios consagrados pela Constituição, tais como o da isonomia, da razoabilidade, daproporcionalidade e, ainda, da dignidade da pessoa humana.”

 Em decisão unânime a Primeira Turma Julgadora, em sessão da 3ª Câmara Cível, acompanhou o voto do Desembargador Relator.


Precedentes:

Já em 2008,  aplicando os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), acompanhando voto do desembargador Walter Carlos Lemes, determinou ao secretário da Fazenda de Goiás que conceda a isenção de ICMS a uma menor, portadora de deficiência física (anorexia cerebral e deficiência cognitiva), para que possa adquirir um veículo. 

Ao negar o pedido da menor, o secretário da Fazenda, à época,  argumentou que a legislação tributária visa desonerar o veículo que necessita ser adaptado para uso da pessoa portadora de deficiência física e que, por esse motivo, é exigido que o beneficiário seja portador da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Também ressaltou que o veículo a ser adquirido pela impetrante é "convencional" e será conduzido exclusivamente por seus parentes.

No entanto, para o relator, é inaceitável privar a impetrante de um benefício legal que está particularmente vinculado a razões humanitárias, uma vez que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho e obstáculos físicos. "O princípio isonômico orienta-se no sentido de que a legislação deve se interpretada da maneira em que se trate de forma igualitária os iguais e desigualmente desiguais. Se existe esse dever constitucional do Estado há o subjetivo da pessoa portadora de deficiência física", frisou.

De acordo com Walter Carlos, os tributos, enquanto fonte de receita derivada do Estado, devem ser distribuídos igualmente entre os cidadãos, especialmente através da universalidade e da graduação conforme a capacidade econômica. "O legislador não é livre para desigualar contribuintes com capacidades econômicas equivalentes ou igualá-los com capacidades distintas, exceto quando a própria natureza do tributo não o permita. É justamente nesse contexto que são recebidas as isenções tributárias", asseverou. 

O desembargador Felipe Batista Cordeiro proferiu decisão no mesmo sentido garantindo a um menor, portador de atrofia muscular, a isenção do imposto.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado Goiás tem sido uníssona nesse mesmo sentido.

Deficiência mental:

O juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Ari Ferreira de Queiroz, julgou procedente pedido para declarar o direito da portadora de necessidades especiais Alcione de Cássia Godói à isenção definitiva do ICMS e do IPVA sobre veículo que adquiriu para uso e condenou o Estado de Goiás a lhe restituir o valor embutido no preço correspondente ao primeiro tributo. A requerente é incapaz em razão de doença mental, desde os 6 meses de idade, já reconhecida judicialmente em regular processo de interdição, do que decorre incapacidade para gerir a própria vida, tanto que é representada por sua mãe e curadora Conceição Aparecida de Godói. 

O magistrado esclareceu que consta do art. 7, XIV, do Anexo IX, do Regulamento do Código Tributário Estadual, ambos fazendo expressa referência ao portador de deficiência física, o que levou a autoridade administrativa a delimitar o âmbito de concessão da isenção, excluindo o portador de deficiência mental, por força do que dispõe o art. 111, II, do Código Tributário Nacional, que manda interpretar literalmente a legislação tributária que disponha sobre isenções. No entanto, segundo o juiz, a concessão de benefícios fiscais deve ser interpretada de forma literal para não incluir aqueles não pretendidos pelo legislador, mas a interpretação literal não pode se desgarrar da mens legislatoris. 

"É o caso da expressão "deficiência física", ao lado de outras como "louco de todo gênero", esta última, expressamente utilizada no velho Código Civil e que acabou sendo substituída por "pessoa com deficiência mental", frisa, esclarecendo que, no mesmo sentido, a expressão "deficiência física" é daquelas que se pode dizer "politicamente incorreta", tendo sido substituída, ultimamente, por "portador de necessidades especiais" ou, pelo menos, devendo ser excluída de sua interpretação a palavra "física", por ser essencial compreender, no âmbito da deficiência, toda aquela que retire do indivíduo, a capacidade de auto-gestão de sua vida. Desta maneira, Ari de Queiroz afirma não ter nenhum sentido admitir isenção tributária para pessoa portadora de deficiência física e negá-la para o portador de deficiência mental, porque ambos integram uma mesma categoria modernamente denominada de "pessoas portadoras de necessidades especiais". 

A isenção de ICMS e IPVA na aquisição de veículos automotores destinados apessoas portadoras de necessidade especial realiza valor constitucional e como tal deve ter interpretação condizente com seu  status normativo, infensa à questiúnculas formais que rejeitam a concretização do Estado Democrático de Direito.

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