Fonte: internet |
Submeter os
empregados a jornadas excessivas de trabalho, causando-lhes abalos físico e
psicológico, caracteriza dano existencial, já que impede a fruição do direito
ao lazer e ao convívio social. A tese levou a 3ª Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) a manter decisão de primeira instância que
determinou indenização de R$ 30 mil a uma operadora de caixa da rede de
supermercado que tinha jornada superior a 11 horas diárias.
Depois de
sentença desfavorável no primeiro grau, o
supermercado explicou, no recurso ao TRT, por que a funcionária, que recebia
salário líquido de R$ 567, não faria jus à indenização por dano existencial. É
que ela ‘‘recebia salários altos pelos seus serviços, bem como determinava seus
próprios horários’’. O relator do caso, desembargador Cláudio Antônio Cassou
Barbosa, classificou o argumento de ‘‘risível’’.
O relator
observou que a empresa não apresentou os registros de horários para se
contrapor ao pedido de horas extras da autora, que alegou ter trabalhado de
segunda a sábado, das 11h às 23h40, com uma hora de intervalo. O artigo 7º,
inciso XIII, da Constituição Federal assegura ao trabalhador jornada máxima de
oito horas diárias e 44 semanais.
‘‘Entretanto,
o que se verifica, é que a reclamada desrespeita, de maneira acintosa, essa
norma, transformando o extraordinário em ordinário. Dessa forma, evidente que a
prática, lesiva aos valores sociais do trabalho, acaba interferindo de maneira
negativa na esfera existencial do empregado’’, afirmou no acórdão.
De acordo
com o desembargador, a conduta ilícita do empregador, ao desrespeitar o
exercício de direitos assegurados no Capítulo II (Dos Direitos Sociais), artigo
6º, da Constituição Federal — notadamente o direito à saúde e ao lazer —
autoriza o deferimento de indenização compensatória.
‘‘Qualquer
empreendimento ou organização empresarial deve respeitar as condições mínimas
de proteção ao trabalhador (...). Os direitos fundamentais servem como um
parâmetro e um balizador na preservação do princípio da igualdade, face aos
atos discriminatórios. Nesta linha, a exigência de jornadas extremas a um
determinado grupo de trabalhadores reveste-se de brutal ato discriminatório em
relação ao restante da coletividade, que exerce suas atividades laborais dentro
dos limites aceitáveis como razoável e justo’’, complementou o desembargador em
seu voto. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 15 de maio.
Concorrência
predatória
A jornada excessiva a que foi submetida a autora foi fato suficiente para a 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre declarar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483, letra "d", da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O contrato vigiu de abril a dezembro de 2011.
Na
fundamentação da sentença, o juiz Almiro Eduardo de Almeida, disse que a
excessiva jornada de trabalho cumprida pela autora, por si só, já se constitui
em motivo para condenar o empregador ao pagamento de indenização por dano
existencial — subespécie de dano extrapatrimonial, comumente denominado dano
moral.
A jornada
deferida pelo juízo é semelhante a outras, já reconhecidas pela Justiça, como a
que consta no processo número 0000413-04.2010.5.04.0009. Neste, exemplificou o
juiz, a própria representante da reclamada declara que um dos seus empregados
trabalhava das 7h às 22h.
Nesse
caso, continuou o juiz trabalhista, a funcionária passou a maioria do seu tempo
no ambiente de trabalho, o que certamente ocasionou lesão ao direito de lazer e
de conviver socialmente, atingindo, portanto, a sua existência no que diz
respeito ao ‘‘âmbito relacional’’.
Justificando
o arbitramento da reparação pecuniária, o titular da 20ª Vara do Trabalho de
Porto Alegre concluiu que a mera condenação do empregador ao pagamento de horas
extras não contém o necessário caráter ‘‘pedagógico’’ que a indenização deve
ter. Isso porque deve-se evitar que o supermercado continue a perseverar em
práticas predatórias ao próprio sistema capitalista, por configurar
concorrência desleal em relação aos demais empregadores que respeitam os
direitos fundamentais de seus trabalhadores.
Fonte: Revista Consultor Jurídico.
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